quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

COM TATO


 

Pois é, ando toda vaidosa com as minhas calças vermelhas adquiridas num brechó da Vila que o Tom Zé anunciou numa das suas composições: Vila Madalena. Aqui a garimpeira somente de brechós quase sempre encontra umas peças yê yê mais em conta que ir ao Braz. Com estas calças posso passar por motogirl de pizzas, que já o fui no século passado, posso passar por mamãe noela, que sou desde o inicio deste novo milénio ou por petista, que sou mas também não sou por motivos que passo a apresentar sem por isso comprometer o meu posicionamente diante de mim mesma, dos outros que me são próximos ou distantes e principalmente da sociedade brasileira em especifico e da conjectura mundial, dentro das minhas referências e conhecimento prático e também teórico. Ora pois pois.

Não sou petista porque como estrangeira não me é permitido ser eleitora neste país continental. Sou petista mas não sou, porque mesmo assim tem sido um governo que abriu possibilidades democráticas a uma fatia grande da população: educação, aceso ao ensino superior, pontos de cultuta, editais culturais e outros com políticas de inclusão, manutenção do SUS ( sistema de saúde pública), projeto "minha casa minha vida", etc. Por colocar esperança neste governo que vai assumir a liderançano ano de 2023 e que promete criar o Ministério dos Povos Originários escrevo aqui estas palavras que é o meu ponto de vista a partir da minha bagagem vivencial, cultural que tem sido adquirida ao longo da minha existência e aprofundada com os 10 anos em que moro no Brasil.

Para quem não sabe eu sou portuguesa. Para mim não é motivo nem de orgulho nem de vergonha. É uma circunstância. Poderia ser francesa ou alemã, se os meus pais tivessem emigrado, exilado, refugiado para lá. Poderia ser moçambicana ou angolana se os meus pais tivessem ido para lá ou brasileira... ou da Gronelândia para justificar o facto de ser a mamãe noela... Se eu fosse alemã com certeza que não viria nos genes eu ser nazi, aliás muitos alemães são anti racistas e anti fascistas, o mesmo se passa com vários portugueses. Se tivesse nascido em Angola ou Moçambique antes de 1975 não seria obrigatoriamente uma colonialista e fascista do pior ( veja-se o caso do escritor moçambicano Mia Couto cujos pais são brancos e portugueses e o mesmo esteve ao lado das lutas de Independência Moçambicana e nunca fugiu às pressas de Moçambique por ser branco).

Irmos ao encontro do "outro" que também somos nós é ir com tato, tacto. Se isso não aconteceu nos últimos 500 anos mesmo assim já existem seres humanos e instituições que estão a mudar o paradigma, compreendendo que o protagonismo dos silenciados, porque invadidos e oprimidos, nem sequer devia ser negociável a esta altura do campeonato.

No Instituto Moreira Salles na Avenida Paulista em São Paulo está a exposição 'Xingu: contatos'. Uma verdadeira aula de Antropologia Social sem intermediários. As câmeras estão nas mãos dos indígenas que contam a sua história. A tecnologia é para todos ao serviço da "memória do futuro" e da natureza que está seriamente comprometida pela ganância extrativista. 

Indígena com celular, material tecnológico não lhe retira identidade e sim reforça-a. Nesta exposição pode-se ler num painel cronológico que em 2011 a Dilma retoma o projeto da hidrelétrica de Belo Monte iniciado na época da ditadura militar ( 1964/85). Num dos vídeos um indígena, que infelizmente não anotei o nome, pede ao Lula para este lembrar o povo brasileiro de respeitar os povos indígenas. Muito bom e importante. Mas mais que tudo é necessário lembrar que esse Ministério deverá ser composto por indígenas e que os acordos que este governo fizer com a oposição terá de levar em conta o eleitorado indígena, e não só, que elegeu novamente o PT para que aquele messias da treta ponha-se a andar de uma vez por todas.

Em suma, Bom Natal e próspero ano novo para todxs nós que defendemos " a democracia que é o pior de todos os sistemas com excepção de todos os outros". ( Sérgio Godinho).

A Piu

Br, 21/12/2022

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